AS SOMBRAS DA INQUISIÇÃO: O SANGUE, A FÉ E A “SANTA NEGRA” DO BRASIL – Poucas pessoas, hoje, têm plena consciência do que realmente foi a instituição conhecida como Santa Inquisição, um dos capítulos mais obscuros da história da humanidade. Atuando em vários países católicos e em suas colônias entre os séculos XII e XVIII, a Inquisição deixou um rastro de medo, intolerância e sangue. Seus métodos eram os mesmos em todos os lugares: Portugal, Espanha, Goa, México, Filipinas, vice-Reino do Peru — e, sim, também no Brasil.

*Publicado por Júlio César Prado

A Inquisição não foi apenas um tribunal religioso; foi um instrumento de poder do absolutismo monárquico, funcionando sob a bênção de Roma. Nenhum ato podia ser executado sem o aval papal. Assim, o braço do Santo Ofício alcançou não apenas a Europa, mas também as colônias, levando o terror até terras tropicais.

A INQUISIÇÃO NO BRASIL: O FOGO QUE TAMBÉM QUEIMOU AQUI

Durante muito tempo, acreditou-se que o Brasil havia escapado das fogueiras da Inquisição. Contudo, pesquisas sérias derrubaram esse mito. A historiadora Anita Novinsky, da Universidade de São Paulo, revelou que a Inquisição interferiu profundamente na vida colonial brasileira por mais de dois séculos. Processos, denúncias, confissões forçadas e prisões secretas marcaram a trajetória de um país que ainda engatinhava em sua formação.

Os inquisidores chegaram ao Brasil disfarçados de visitantes, mas agiam com severidade. Perseguiram cristãos-novos, judeus convertidos, hereges, feiticeiros e até pessoas acusadas de simples superstições. Tudo em nome de uma fé institucionalizada e de um poder que não admitia questionamentos.

O CULTO DE IMAGENS

Um dos episódios mais curiosos e simbólicos dessa época foi descoberto pelo antropólogo Luiz Mott, da Universidade Federal da Bahia. Vasculhando os arquivos da Torre do Tombo, em Portugal — o maior acervo sobre a Inquisição do mundo —, Mott descobriu que, em meados do século XVIII, os brancos do Brasil chegaram a “venerar uma escrava negra como santa”.

Esse fato, quase inimaginável para o contexto da escravidão, revela a complexidade espiritual do período colonial. Apesar da brutal discriminação racial, a devoção popular rompeu barreiras impostas pelo preconceito. Uma mulher negra, marcada pela dor e pela servidão, foi reconhecida como símbolo de fé — um paradoxo entre a opressão e o sagrado.

“Cerca do ano 300 da era cristã, introduziram-se imagens em algumas igrejas cristãs, somente como meio de instruir e adornar. No ano 736, Leão, imperador do Oriente publicou um decreto, condenando estas práticas. Em 780, a imperatriz Irene introduziu a adoração das imagens na igreja do Oriente; e em 787, o segundo concílio de Nicéia deu-lhe sanção” (John D. Davis, Dicionário da Bíblia, pág. 444).

A introdução do culto de imagens na igreja era destinada a facilitar a aproximação dos pagãos. “A fim de proporcionar aos conversos do paganismo uma substituição à adoração de ídolos, e promover assim sua aceitação nominal do cristianismo, foi gradualmente introduzida no culto cristão e adoração das imagens e relíquias” (Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 48).

Mas esta prática não se coadunava com o segundo mandamento da Lei de Deus, original, constante da Bíblia Sagrada, que reza: “Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma do que há em cima no Céu, e do que há embaixo na terra, nem do que há nas águas debaixo da terra. Não adorarás tais coisas, nem lhes prestarás culto; Eu sou o Senhor teu Deus, forte e zeloso, que vinga a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que Me odeiam; e que usa de misericórdia até mil (gerações) com aqueles que Me amam e guardam os Meus preceitos” (Êxodo 20:4-6, versão católica do Pe. Matos Soares).

A introdução do culto de imagens na igreja, em direta oposição ao expresso mandamento de Deus, foi uma das grandes façanhas de Satanás. Mas a sua obra neste sentido não estava completa. Enquanto continuasse o ensino da Lei original de Deus, conforme a Escritura Sagrada, havia o perigo de o povo levantar-se contra o culto de imagens. Esforçou-se, portanto, para levar os homens a excluir da lei o segundo mandamento. Seu êxito foi completo. Logo o referido preceito foi excluído, e, para que ficasse completo o número dos Dez Mandamentos, o décimo foi subdividido em dois. Compare-se a Lei de Deus, original, constante da Bíblia Sagrada, com a Lei divina modificada pelos homens, constante dos catecismos das igrejas populares.
        
A INQUISIÇÃO: O ROSTO DO PODER E O SANGUE DOS SANTOS

No entanto, enquanto uns veneravam outros executavam com crueldade em nome da mesma fé. Sobre essa fase terrível, o livro “O Grande Conflito” descreve: “No século XIII foi estabelecido o mais terrível de todos os estratagemas do papado – a Inquisição. O príncipe das trevas trabalhava com os dirigentes da hierarquia papal. […] ‘A grande Babilônia’ estava embriagada do sangue dos santos.”

Estima-se que mais de 50 milhões de cristãos fiéis tenham sido mortos por recusarem-se a se submeter ao domínio espiritual e político de Roma. Seus gritos de fé ecoam através dos séculos, clamando justiça diante de Deus.

A PROFECIA SE CUMPRE

A Bíblia já havia revelado o caráter dessa instituição perseguidora. O apóstolo João, em visão profética, viu a “grande prostituta” assentada sobre muitas águas — símbolo da igreja apóstata unida ao poder político:
“A mulher estava vestida de púrpura e de escarlata […] e vi que estava embriagada do sangue dos santos e das testemunhas de Jesus” (Apocalipse 17:4-6).

Nas Escrituras, a mulher pura representa a Igreja fiel a Cristo, enquanto a mulher corrupta simboliza a igreja que se prostituiu com os reis da Terra, unindo fé e poder para perseguir os que permanecem fiéis à Palavra (Efésios 5:22-32; Ezequiel 16).

A Inquisição foi o cumprimento histórico dessa profecia: um poder religioso que, em nome de Deus, perseguiu os verdadeiros servos de Cristo.

O estudo da Inquisição no Brasil e no mundo é mais do que uma lição de história — é um espelho da alma humana. Mostra o que acontece quando a fé é usada como instrumento de dominação e quando a religião se afasta do amor, da misericórdia e da verdade.

Ao mesmo tempo, episódios como o da santa que hoje é a padroeira e venerada no Brasil, mesmo em meio à opressão e à ignorância, milhões ainda veneram uma imagem proibida na Bíblia.

A Inquisição pode ter queimado corpos, mas não conseguiu apagar a chama da fé verdadeira. A mesma fé que resistiu às fogueiras, às correntes e à intolerância — e que continua a iluminar os que buscam, em Cristo, a liberdade e a verdade. “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:32) (Foto: Divulgação).

*Júlio César Prado é jornalista

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