
237. A participação na Eucaristia é especialmente importante ao domingo. Este dia, à semelhança do sábado judaico, é-nos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo. O domingo é o dia da Ressurreição, o «primeiro dia» da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada. Além disso, este dia anuncia «o descanso eterno do homem, em Deus».[168] Assim, a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa. O ser humano tende a reduzir o descanso contemplativo ao âmbito do estéril e do inútil, esquecendo que deste modo se tira à obra realizada o mais importante: o seu significado. Na nossa actividade, somos chamados a incluir uma dimensão receptiva e gratuita, o que é diferente da simples inactividade. Trata-se doutra maneira de agir, que pertence à nossa essência. Assim, a acção humana é preservada não só do activismo vazio, mas também da ganância desenfreada e da consciência que se isola buscando apenas o benefício pessoal. A lei do repouso semanal impunha abster-se do trabalho no sétimo dia, «para que descansem o teu boi e o teu jumento e tomem fôlego o filho da tua serva e o estrangeiro residente» (Ex 23, 12). O repouso é uma ampliação do olhar, que permite voltar a reconhecer os direitos dos outros. Assim o dia de descanso, cujo centro é a Eucaristia, difunde a sua luz sobre a semana inteira e encoraja-nos a assumir o cuidado da natureza e dos pobres.
68. Esta responsabilidade perante uma terra que é de Deus implica que o ser humano, dotado de inteligência, respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo, porque «Ele deu uma ordem e tudo foi criado; Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e estabeleceu leis a que não se pode fugir!» (Sl 148, 5b-6). Consequentemente, a legislação bíblica detém-se a propor ao ser humano várias normas relativas não só às outras pessoas, mas também aos restantes seres vivos: «Se vires o jumento do teu irmão ou o seu boi caídos no caminho, não te desvies deles, mas ajuda-os a levantarem-se. (…) Se encontrares no caminho, em cima de uma árvore ou no chão, um ninho de pássaros com filhotes, ou ovos cobertos pela mãe, não apanharás a mãe com a ninhada» (Dt 22, 4.6). Nesta linha, o descanso do sétimo dia não é proposto só para o ser humano, mas «para que descansem o teu boi e o teu jumento» (Ex 23, 12). Assim nos damos conta de que a Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas.
71. Embora Deus reconhecesse que «a maldade dos homens era grande na terra» (Gn 6, 5), «arrependendo-Se de ter criado o homem sobre a terra» (Gn 6, 6), Ele decidiu abrir um caminho de salvação através de Noé, que ainda se mantinha íntegro e justo. Assim deu à humanidade a possibilidade de um novo início. Basta um homem bom para haver esperança! A tradição bíblica estabelece claramente que esta reabilitação implica a redescoberta e o respeito dos ritmos inscritos na natureza pela mão do Criador. Isto está patente, por exemplo, na lei do Shabbath. No sétimo dia, Deus descansou de todas as suas obras. Deus ordenou a Israel que cada sétimo dia devia ser celebrado como um dia de descanso, um Shabbath (cf. Gn 2, 2-3; Ex 16, 23; 20, 10). Além disso, de sete em sete anos, instaurou-se também um ano sabático para Israel e a sua terra (cf. Lv 25, 1-4), durante o qual se dava descanso completo à terra, não se semeava e só se colhia o indispensável para sobreviver e oferecer hospitalidade (cf. Lv 25, 4-6). Por fim, passadas sete semanas de anos, ou seja quarenta e nove anos, celebrava-se o jubileu, um ano de perdão universal, «proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam» (Lv 25, 10). O desenvolvimento desta legislação procurou assegurar o equilíbrio e a equidade nas relações do ser humano com os outros e com a terra onde vivia e trabalhava. Mas, ao mesmo tempo, era um reconhecimento de que a dádiva da terra com os seus frutos pertence a todo o povo. Aqueles que cultivavam e guardavam o território deviam partilhar os seus frutos, especialmente com os pobres, as viúvas, os órfãos e os estrangeiros: «Quando procederes à ceifa das vossas terras, não ceifarás as espigas até à extremidade do campo, e não apanharás as espigas caídas. Não rebuscarás também a tua vinha, e não apanharás os bagos caídos. Deixá-los-ás para o pobre e para o estrangeiro» (Lv 19, 9-10).

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