DER SPIEGEL
19/03/2013
A Igreja Católica está desconectada com os fiéis e arrisca perder outra parte do rebanho se não se reformar. Um passo importante seria dar às igrejas nacionais maior poder para se adequarem às necessidades de suas congregações individuais.
No curso da guerra franco-prussiana, quando Napoleão 3º retirou sua guarnição de Roma em 1870, o papa perdeu os últimos vestígios de seu poder temporal –os Estados papais– para uma Itália parcialmente unificada. Ainda assim, semanas antes, no Primeiro Concílio do Vaticano, ele tinha ganhado um substituto muito mais valioso: o dogma da infalibilidade papal. Desde então, o bispo de Roma sustentou ser isento da possibilidade de erro. “Roma locuta, causa finita” –Roma falou, caso encerrado.
Aqueles que foram contra essa reivindicação oraram em vão para que o Senhor convocasse seu servidor Pio 9º aos céus antes que pudesse infligir maior dano. O historiador britânico Lord Acton, editor de jornais católicos, cunhou seu famoso axioma em relação a esse dogma: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente.”
Na época, conflitos entre a Una Sancta e seus críticos eram significativamente mais agressivos do que hoje. Ainda assim, os bispos da atualidade reclamam particularmente que as pessoas são críticas demais à igreja. No mês passado mesmo, em resposta a uma pergunta de um entrevistador sobre a Cúria Romana, o corpo governante da Igreja Católica, o cardeal Jorge Mario Bergoglio disse que “os jornalistas às vezes arriscam ficarem doentes de coprofilia e assim fomentam a coprofagia, que é um pecado que macula todos os homens e mulheres” (coprofilia sendo um interesse anormal pelas fezes, especialmente o uso de fezes ou de sujeira para excitação sexual; e coprofagia sendo o consumo de fezes).
Agora, no papel de papa, cabe a ele domar sua cidade-Estado eclesiástica. Conseguirá isso? Seu colega alemão em Colônia, o cardeal Joachim Meisner, amigo próximo do papa aposentado, recentemente reclamou que há ampla “fobia ao catolicismo” lá fora no mundo.
Não brinca? Só fora da Igreja?
Quando perguntaram a Bento 16, antes de seu pontificado, se o preocupava o fato de tantos católicos não seguirem mais a doutrina papal, ele respondeu que não o incomodava muito porque a verdade não dependia do voto da maioria.
Essa é a razão subjacente para a fobia ao catolicismo: o temor do pastor do rebanho –em outras palavras, a recusa em reconhecer que as demandas da igreja e a vida diária dos fiéis são diametralmente opostas em muitas questões. Um único exemplo seria suficiente –o número de filhos nascidos fora do matrimônio nos países católicos da Europa: mais de 20% na Itália e na Polônia, mais de 30% na Irlanda, quase 40% na Espanha e mais de 50% na França. Acabou-se a obediência do rebanho.
Pouca esperança de mudança
Para tornar mais fácil para os fiéis a tarefa de engolir a infalibilidade, que salvaguarda a autoridade do papa e assegura o papel da Cúria como o aparato de liderança central, gerações de professores de religião explicaram que nada que a maioria dos católicos não acredite será acrescentado ao dogma da igreja. Isso pode ter sido verdade em 325 d.C., no Primeiro Concílio de Nicaea, mas não é mais o caso hoje, no que concerne os direitos das mulheres e o celibato.
O cardeal argentino, que disse que seus colegas “foram quase ao foi fim do mundo” para torná-lo o novo papa, pode ser capaz de instilar um novo compromisso com a igreja entre as comunidades cristãs da América Latina, mas, para os católicos da Europa, ele representa o espírito do papado de Bento. Como o pontífice que deixa o cargo, Francisco faz advertências contra valores seculares que são obra do diabo. Nas áreas nas quais a igreja e os fiéis divergem mais marcadamente, as declarações do novo papa dão poucas esperanças de mudança, apesar de sua aparência humilde.
Joao Paulo 2º e Bento 16 fortaleceram mais a primazia do cargo do Bispo de Roma porque achavam que o Segundo Concílio do Vaticano, celebrado entre 1962 e 1965, havia criado forças centrífugas que os fazia temer pela unidade da igreja. Os dois papas engendraram um Colégio de Cardeais que em grande parte concorda a visão conservadora do mundo, mas também corre o risco de ser abandonado por muitos fiéis. Consequentemente, o que é necessário, é maior dissonância –o reconhecimento que a igreja na América Latina é diferente da igreja na África ou na Europa. É necessário descentralizar e fortalecer as igrejas nacionais.
De volta ao século 19, o autor alemão Heinrich Heine criticamente comentou: “Os clérigos não têm pátria; têm apenas um pai em Roma”. Para salvaguardar seus próprios interesses e para reduzir a queda da igreja para a insignificância, tornando-se uma seita arcaica religiosa –pelo menos nas sociedades seculares Ocidentais– este pai deve finalmente dar aos seus padres e fiéis uma pátria na qual eles possam coletivamente viver e agir como acharem correto.

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