
É um ciclo inevitável: quer queiramos quer não, quando falamos do tempo não temos como fugir: mais tarde ou mais cedo, temos de passar pelas épocas que dele fazem parte. E eis-nos no mês daquela que será, porventura, a mais famosa das festas no mundo cristão.
Sou um observador atento mas desinteressado da festividade em si. Sinceramente, aquilo que mais me impressiona e, devo confessar, por vezes perturba, é esta tendência constante para abonar a época entre nós. E a maneira como normalmente isso é feito não disfarça um resvalar para a justificação de algo que não está certo, pelo menos totalmente certo, sob pretextos que, em alguns casos, até são válidos, mas incompletos.
Dou um exemplo de algo que me parece incorrer em alguma desonestidade e num erro que habitualmente apontamos até aos nossos detratores.
Não poucas vezes tenho recebido textos de Ellen White a, supostamente, defenderem, autorizarem, sancionarem e o que mais quiser, a observância da festividade. Um desses textos é este:
“Deus muito Se alegraria se no Natal cada igreja tivesse uma árvore de Natal.” (Lar Adventista, p. 482).
Provavelmente, o leitor menos atento ficar-se-ia por aqui; mas, não acha que é uma grave falha selecionar criteriosamente aquilo que parece ir de encontro ao que pretendemos, escamoteando aquilo que não nos agrada?
Isto porque, aquela frase completa é como segue:
“Deus muito Se alegraria se no Natal cada igreja tivesse uma árvore de Natal sobre a qual pendurar ofertas, grandes e pequenas, para essas casas de culto“!
Esta ideia é complementada pelas declarações que se seguem àquela:
“Têm chegado a nós cartas com a interrogação: Devemos ter árvores de Natal? Não seria isto acompanhar o mundo? Respondemos: Podeis fazê-lo à semelhança do mundo, se tiverdes disposição para isto, ou podeis fazê-lo muito diferente. Não há particular pecado em selecionar um fragrante pinheiro e pô-lo em nossas igrejas, mas o pecado está no motivo que induz à ação e no uso que é feito dos presentes postos na árvore.“
Vamos assumir: habitualmente, as árvores de Natal que usamos, seja nas igrejas ou nos lares, estão adornadas com ofertas para o Senhor, a Sua casa, a Sua obra? Ou essa decoração reflete, apenas e só, o espírito egoísta, profano e degenerado que existe à nossa volta?…
Vamos consultar mais algumas citações que nos ajudem a perceber as instruções que temos a este respeito, e qual deve ser a nossa ação, o nosso procedimento segundo a vontade de Deus e não segundo o ambiente que nos rodeia.
“Pelo mundo os feriados são passados em frivolidades e extravagância, glutonaria e ostentação. … Milhares de dólares serão gastos de modo pior do que se fossem lançados fora, no próximo Natal e Ano Novo, em condescendências desnecessárias. Mas temos o privilégio de afastar-nos dos costumes e práticas desta época degenerada; e em vez de gastar meios meramente na satisfação do apetite, ou com ornamentos desnecessários ou artigos de vestuário, podemos tornar as festividades vindouras uma ocasião para honrar e glorificar a Deus” (Review and Herald, 11 de dezembro de 1879).
“Jesus, a Majestade do Céu, o nobre Rei do Céu, pôs de lado Sua realeza, deixou Seu trono de glória, Sua alta posição, e veio ao nosso mundo para trazer ao homem caído, debilitado nas faculdades morais e corrompido pelo pecado, auxílio divino. (…) Os pais deviam trazer essas coisas ao conhecimento de seus filhos e instruí-los mandamento sobre mandamento, regra sobre regra, em suas obrigações para com Deus – não suas obrigações de uns para com os outros, de honrarem-se e glorificarem-se uns aos outros por presentes e dádivas” (Review and Herald, 9 de dezembro de 1884).“Não vos levantaríeis, meus irmãos e irmãs cristãos, cingindo-vos a vós mesmos para o dever no temor do Senhor, procurando arranjar este assunto de tal maneira que não seja árido e desinteressante, mas repleto de inocente prazer que leve o sinete do Céu? Eu sei que a classe pobre responderá a estas sugestões. Os mais ricos também devem mostrar interesse e apresentar seus donativos e ofertas proporcionalmente aos meios que Deus lhes confiou. Que se registrem nos livros do Céu um Natal como jamais houve em virtude dos donativos que forem dados para o sustento da obra de Deus e o reerguimento do Seu Reino” (Review and Herald, 9 de dezembro de 1884).
“Podeis ensinar uma lição a vossos filhos enquanto lhes explicais a razão por que tendes feito uma mudança no valor de seus presentes, dizendo-lhes que estais convencidos de que tendes até então considerado o prazer deles mais que a glória de Deus. Dizei-lhes que tendes pensado mais em vosso próprio prazer e satisfação deles e de manter-vos em harmonia com os costumes e tradições do mundo, em dar presentes aos que deles não necessitam, do que em ajudar ao progresso da causa de Deus. Como os magos do passado, podeis oferecer a Deus vossos melhores dons e mostrar por vossas ofertas a Ele que apreciais Seu dom por um mundo pecaminoso. Levai os pensamentos de vossos filhos através de um canal novo, altruísta, incitando-os a apresentar ofertas a Deus pelo dom do Seu Unigênito Filho” (Review and Herald, 13 de novembro de 1894).
Não restam dúvidas que o espírito prevalecente ao nascimento de Jesus foi o “dar” altruísta; o mundo, transformou-o num “receber” egoísta. (Já viu que se Jesus é celebrado como aniversariante terá toda a lógica ser Ele a receber os presentes? Os magos, mencionados na citação, levaram presentes para Jesus; não para José e Maria…)
Acontece que, quanto confrontados com factos e realidades que não conseguimos desmentir como sendo falsos, preferimos ignorá-los e seguir em frente com as nossas próprias inclinações, ainda que a nossa vontade e a rendição ao mundanismo vigente sejam a única coisa que nos move.
Quando, finalmente, decidimos rever procedimentos menos corretos e até demonstramos vontade de correção, surge um outro argumento, certíssimo na sua essência, mas errado na sua prática: dizemos que, afinal, apenas aproveitamos a época porque as pessoas estão mais sensíveis para ouvir sobre Jesus. Eis algo que apoia esta ideia:
“Sendo que o dia 25 de dezembro é observado em comemoração do nascimento de Cristo, e sendo que as crianças têm sido instruídas por preceito e exemplo que este foi indubitavelmente um dia de alegria e regozijo, será difícil passar por alto este período sem lhe dar alguma atenção. Ele pode ser utilizado para um bom propósito” (Review and Herald, 9 de dezembro de 1884).
Eu estou totalmente de acordo com esta proposta, pois corresponde inteiramente à verdade: geralmente, mesmo as pessoas que não frequentam as igrejas durante todo o ano, estão mais recetivas a assuntos de caráter religioso durante este época. Por isto, esta surge, evidentemente, como uma ótima oportunidade para o nosso testemunho, seja através da música, serviço social, instrução bíblica, etc..
Contudo, não podemos senão admitir a incoerência, diria mesmo alguma hipocrisia, no nosso proceder; pois, assim sendo com o Natal, também não deveria ser – e ainda mais! – com a ocasião da Páscoa?
Sendo que a morte e ressurreição de Jesus são muito mais relevantes do ponto de vista do plano da salvação do que o seu nascimento (que no fundo é apenas uma condição sine qua non), não seria, então, muito próprio aproveitar a sensibilidade geral da época da Páscoa, tal e qual argumentamos fazer no Natal?…
Apesar das diferenças, existem mais semelhanças entre as duas épocas do que inicialmente podemos imaginar; mas não pretendo debater isso.
O que quero fazer refletir é que estamos a usar seletivamente textos inspirados e argumentos certos para fazer valer uma prática que está mais enraizada em certas tradições que não passam de cristianismo deturpado, secularizado, mundanizado, do que nas claras e inequívocas recomendações (para não dizer ordens…) que de cima temos recebido.
O conselho é perfeito:
“Pelo que, saí vós do meio deles e separai-vos, diz o Senhor; e não toqueis coisa imunda, e Eu vos receberei; e Eu serei para vós Pai, e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor todo-poderoso” (II Cor. 6:14-18).
E, acrescenta-se:
“Muitos professos cristãos podem ser comparados à videira que se arrasta no solo e cujas gavinhas se enrolam nas raízes e entulhos que se estendem em seu caminho. A todos estes destina-se a mensagem: “Saí deles, e separai-vos, diz o Senhor.” … Vossas ramículas têm que ser separadas de tudo que é terreno. … É-vos impossível unir-vos aos corruptos, e permanecer puro” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 6, p. 1102).
Deus precisa que o Seu povo se destaque na exaltação do que tem valor eterno; mesmo que para isso tenha de se demarcar, ser diferente, distinto. Então, seja-o! E seja-o para o bem do reino Eterno, não para conformidade com o mundo!

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