Por Samuele Bacchiocchi  

Deve o Estado proteger a observância de Dias Santos fazendo deles feriados civis? A resposta daqueles que defendem a separação entre a Igreja e o Estado é claramente “Não!”. Leis civis não devem ser passadas para proteger a observância de Dias considerados Sagrados por parte de uma igreja em particular. Tais leis violam a Primeira Emenda da Constituição Americana: “O Congresso não fará leis  por respeito ao estabelecimento de uma religião.” Contudo recentes desenvolvimentos, indicam que algumas igrejas estão se empenhando em proteger a observância dos seus Dias Santos por meio de legislação civil, mesmo que isto signifique violarem a Primeira Emenda. Por exemplo, o novo Catecismo da Igreja Católica explicitamente declara: “A respeito da liberdade religiosa e bem comum de todos, os Cristãos devem procurar o reconhecimento do Domingo e dos Dias Sagrados de suas Igrejas como feriados civis.” (Catecismo da Igreja Católica-Vatican City, 1994, p.528)

A liberdade religiosa da qual o catecismo aponta não é sobre liberdade de todas as religiões para observar seus respectivos Dias Sagrados, mas a liberdade dos Católicos para observarem seus próprios Dias Santos sob protecção de legislação civil.

O mesmo apelo é feito pelo Papa João Paulo II em sua Carta Pastoral Dies Domini: “Em circunstâncias particulares do nosso tempo, os Cristãos naturalmente se esforçarão para  assegurar uma legislação civil que respeite seus afazeres para assim manterem santo o Domingo.” (Carta Pastoral Dies Domini, parágrafo 67)

Ao clamar por uma lei Dominical para proteger a observância do Domingo, o Papa, por conseguinte ignora a natureza descriminatória de semelhante legislação que se opõe directamente aos guardadores do Sábado ou outros dias da semana. A Igreja Católica não está somente instando com os Cristãos “Para procurarem reconhecimento do Domingo e dos Dias Santos de suas igrejas como feriado legal,” mas está também empregando canais diplomáticos e influências da Santa Sé para alcançar este objectivo. A Santa Sé, que é o representante moral e jurídico da Igreja Católica, está activamente envolvida e determinada a persuadir a comunidade internacional das nações para reconhecerem os Dias Santos como feriados legais.

Os esforços da Santa Sé têm sido muito bem sucedidos. Em quase todos os países onde a Igreja Católica exerce sua dominante influência, os governos locais têm feito dos Dias Santos Católicos, feriados nacionais. Em meu país Itália, por exemplo, bem como na França, Espanha, Portugal, e todos os países da América Central e do Sul, 15 de Agosto é feriado nacional que se comemora a crença Católica na Ascensão de Maria ao céu. O mesmo se passa com 1 de Novembro, feriado nacional que comemora o que a Igreja Católica chama de “Dia de Todos os Santos.”

Outros países estão  presentemente avançando no processo de reconhecer os Dias Santos Católicos como feriados legais. Croácia, por exemplo, assinou um acordo com a Santa Sé em 11 de Fevereiro de 1999 sobre questões jurídicas. No artigo 9 deste acordo explicitamente declara: “Domingo e os seguintes Dias Santos estarão livres de trabalho: a) Janeiro1, comemoração de Maria, a santíssima Mãe de Deus, Novo Ano; b) Janeiro 6, a Epifânea do Senhor; c) Segunda-Feira seguida da Páscoa; d) 15 de Agosto, Ascenção da Virgem Maria; e) 1 de Novembro, todos os santos; f) 25 de Dezembro, Nascimento do Senhor; g) 26 de Dezembro primeiro dia depois do Natal, St. Estevão.” (Este texto pode ser acedido no website: http://www.hbk.hr/vijesti/1996/talug/tprv.htm

 A Constitucionalidade dos Feriados Religiosos

A tentativa de influenciar governos a adoptarem feriados os Dias Santos religiosos de uma igreja em particular, claramente viola a separação entre a Igreja e o Estado. Tal violação não parece preocupar a Igreja Católica, determinada como ela está em avançar na sua própria causa,mesmo que isto signifique sacrificar o princípio fundamental da separação entre a Igreja e o Estado.

Em um discurso entitulado “O Papel do Vaticano nos Negócios do Mundo e A Diplomacia do Papa João Paulo II,” Michael Miller, CSB, Presidente da Universidade de St. Thomas e antigo membro da Secretaria do estado da Santa Sé 1992/97, declara que os objectivos do Papa “são assumidamente uma mistura de religião com um interesse secundário político. João Paulo, no entanto, não está constrangido pelos ideais da separação entre o Estado e a Igreja, mas exerce o que considera como o bem comum de toda a humanidade.”

(J. Michael Miller, “The Vatican’s Role in World Affairs. The Diplomacy of Pope John Paul II,” discurso de Outono de 1997 na Universidade de St. Thomas em Houston, Texas)

Com o reconhecimento sincero de Miller de que ” João Paulo não está intimidado pelos ideais americanos em relação à  separação do Estado e da Igreja. “Pelo contrário, sua preocupação é em exercer o que considera como “bem comum de toda a humanidade.” O Problema desta diplomacia do Papa é seu erro em identificar o” bem comum de toda humanidade,” com o que é bom para a Igreja Católica. Mas, o que é bom para a Igreja Católica, não é necessariamente bom para a sociedade como um todo.

Para o Papa ou qualquer líder religioso impor seus próprios Dias Santos de sua igreja como feriado legal para o resto da sociedade, significa violar a liberdade daqueles que não aceitam tais Dias Santos. A história nos ensina que tal procedimento trouxe inúmeras e terríveis consequências. “Hereges” sem conta, foram torturados e executados por se recusarem a aceitar credos peculiares promovidos pela igreja dominante por causa do “bem comum de toda humanidade.”

Para prevenir a repetição deste passado de intolerância religiosa, é imperativo assegurar para que nenhuma igreja possa ter sucesso em impor uma agenda religiosa para o resto da sociedade. Isto não é uma tarefa fácil, porque sempre  nas agendas religiosas, são sútilmente encobertas e promovidas como programas sociais e seculares para o “bem da humanidade”.

Os Benefícios “Seculares” das Leis Dominicais    

O caso em questão é a promoção das Leis Dominicais com bases sociais, culturais e valores familiares. Esta estratégia é evidente na Carta Pastoral onde o Papa “camufla”  os aspectos religiosos das Leis Dominicais, com sociais, culturais e valores familiares. Por exemplo, João Paulo diz: “Através do descanso dominical, as preocupações diárias e tarefas podem encontrar suas próprias perspectivas: as coisas materiais  que nos afligem dão lugar aos valores espirituais; no momento de encontro e menor tensão, nós vemos então o rosto das pessoas com quem vivemos. Mesmo as belezas da natureza as quais têm sido prejudicada pela ânsia da exploração e que têm voltado o homem contra si próprio, podem ser redescobertas e contempladas na sua totalidade”. (Carta Pastoral Dies Domini, parágrafo 67)

Por enfatizar o humano, benefícios “seculares” e valores da Lei Dominical, João Paulo sabe que ele pode conseguir maior aceitação internacional para tal legislação. É importante notar em consideração à decisão da Suprema Corte U.S. em McGowan v. Maryland, 366 u. s. 420 (1961) de apoiar as Leis Dominicais de Maryland como não estando a violar a Constituição Federal. A razão do Tribunal de justificar o interesse do Estado em proteger um dia comum de descanso dominical, é que o Domingo tem se tornado secularizado na sociedade americana. O Tribunal disse: “Nós acreditamos que o ar deste dia é mais relaxante do que a religião.” (Citado por Michael J. Woodruff, “The Constitutionality of Sunday Laws,” Sunday 79 – January-April 1991- p. 9)

Esta realidade é reconhecida não somente pelo Papa mas também pelas igrejas Protestantes. Por exemplo, The Lord’s Day Alliance (Aliança do Dia do Senhor), uma  organização ecuménica dos Estados Unidos que é apoiada por mais de 20 denominações Protestantes, frequentemente publica artigos em sua revista Domingo, enfatizando os benefícios seculares e sociais das Leis Dominicais.

Um bom exemplo é um artigo feito por Attorney Michael Woodruff, entitulado “As Constitucionalidades das Leis Dominicais”, publicado na revista Sunday. Woodruff escreve: “Se nós temos que justificar a  permanência do Dia do Senhor como um dia secular de descanso, temos de encontrar fortes argumentos para isso. Se os Tribunais vêm as leis dominicais como tendo efeitos directos no avanço da religião, então sob a Primeira Emenda corrente, tais leis devem ser inconstitucionais. Contudo, se as leis são geralmente aplicadas e revelam neutralidade-religiosa em sua proposta, então o efeito é igualmente para ser visto de forma acidental. Para este fim, a distinção entre a prática religiosa e a forma das leis é fundamental.” (Idem, p. 21-22)   

O Papa está bem atento quanto à  necessidade de manter esta distinção. Tanto é que em sua Carta Pastoral, ele apela para o social e para os valores humanos que a Lei Dominical garante e promove. Ele escreve: “Em nosso contexto histórico resta a obrigação (do Estado) de assegurar que viver a liberdade, descanso e relaxamento que a dignidade humana requer junto com uma associação religiosa, familiar, cultural e necessidade interpessoal que é difícil de encontrar se não houver garantias de pelo menos um dia na semana onde as pessoas podem tanto descansar como celebrar.” (Carta Pastoral Dies Domini, parágrafo 66)

O problema do raciocínio acima é a definição de “um dia na semana” como sendo exclusivamente o “Domingo.” Ambos, Igreja Católica e Aliança do Dia do Senhor, estão comissionados para assegurar que o Domingo é semanalmente dia de descanso protegido por lei. Esta designação ignora que nós vivemos hoje numa  sociedade pluralista onde existem Cristãos e Judeus que observam o Sábado como dia de descanso, e Muçulmanos que podem desejar observar a sexta-feira deles.

Para ser justo com todas as religiões e com os que não tem religiões que possuem diferentes dias de descanso e/ou prestam culto, o Estado deverá ter de fazer passar uma legislação garantindo feriados legais para pessoas diferentes. A implementação de semelhante legislação é inconcebível, porque iria abalar o sistema sócio-económico. O assunto em questão não é o direito dos Católicos, Protestantes, Judeus, Muçulmanos ou outros grupos religiosos, em favor de proteger seus Santos Dias anuais ou semanais, mas sim os seus direitos em procurar o reconhecimento do Estado para seus próprios Dias Santos como feriados legais. Esta atitude é uma tentativa de fazer avançar o interesse de uma religião em particular em detrimento da liberdade de outra.

Imagine o que aconteceria na América se os Judeus fossem bem sucedidos em persuadir o Congresso a  passar uma lei que fizesse do seu Sábado semanal e seus sete Dias Santos anuais como feriados nacionais legais. A maioria dos americanos se oporia denunciando tal lei como inconstitucional, sectarista e discriminatória. Ainda assim, isto é precisamente o que está acontecendo em muitos países onde a Igreja Católica tem podido exercer sua influência nos processos políticos. Os Dias Santos Católicos têm sido aprovados como feriados legais, causando problemas consideráveis  para as minorias que observam  dias diferentes.

Esta foi a minha experiência enquanto crescia em Roma, Itália. Sábado era dia de aulas escolares. Somente Domingo era o dia semanal oficial de descanso. Não podendo assim  frequentar a escola no Sábado por razões de convicção religiosa, encontrei constantes problemas, incluindo uma ameaça de expulsão da escola. Para justificar minhas ausências o nosso médico de família escrevia ingénuos certificados médicos declarando que no Sábado eu ficava “psicologicamente incapacitado”.

Em muitos países milhares de Sabatistas tem sofrido durante anos toda sorte de recriminações e perseguições por recusarem violar suas convicções religiosas por trabalharem no Sábado. Nestes exemplos, Leis Dominicais tem servido para penalizar aqueles que por razões religiosas escolheram descansar e ir a igreja num dia diferente da semana.

O Estado e os Dias Santos

Deve o Estado garantir a todos os cidadãos o direito de observarem seus Dias Santos semanais ou anuais? A resposta é “sim” e “não.” O Estado tem que proteger os direitos de todos os seus cidadãos para que pratiquem suas respectivas religiões, incluindo seus Dias Santos. Mas isto não quer dizer que o Estado tem que reconhecer como feriados legais todos os Dias Santos observados por vários grupos religiosos dentro do Estado. Semelhante política desestabilizaria o sistema sócio-económico de nossa sociedade, além de que violaria a Primeira Emenda.

O Estado pode proteger o direito de várias denominações religiosas para que observem seus Dias Santos simplesmente accionando uma legislação que encoraje os empregadores para que acomodem as convicções religiosas de seus empregados. Na maioria dos casos isto pode ser feito sem causar danos (prejuízo) para as companhias, porque a semana-curta de trabalho semanal já provém aos trabalhadores dois ou três dias livres.

Isto quer dizer que tudo que as companhias precisam é estabelecer uma agenda para seus trabalhadores em concordância com seus dias de descanso preferido. Existem contudo, companhias insensíveis que não mostram consideração para com as convicções religiosas de seus trabalhadores. Em tais casos, a solução não deve ser encontrada em Leis Dominicais ou Sabatistas, mas em uma legislação que anseie ajustar aos empregados suas convicções religiosas, e que naturalmente não prejudique os negócios da respectiva empresa.

A pratica de estabelecermos uma única religião, incluindo um único Dia Santo, traz vários problemas numa sociedade secular e pluralista que vivemos. Isto no entanto, é parte do chamado aos Cristãos para viverem no mundo mas sem tornarmos parte disto. Cristãos não podem sempre esperarem “maré mansa.”

Em suma, Cristãos e não Cristãos tem  o direito de procurarem reconhecimento da parte do governo para praticarem suas religiões livremente, mas não podem esperar que o Estado proteja seus Dias Santos tornando-os feriado civil. Semelhante lei violaria o princípio fundamental de separação entre a Igreja e o Estado que tem provado ser a melhor garantia da liberdade religiosa para todos. (Tradução- Jaime D.Bezerra)

Pastor Samuele Bacchiocchi lecionou por 36 anos, dos quais 26 na Andrews University. É autor de 15 livros além de ter sido o único não Católico a se graduar na Universidade Pontifícia do Vaticano.

Deixe um comentário

Tendência