A sociedade do espetáculo do pós-Guerra se transformou hoje na sociedade da sensação, mergulhada num excitamento contínuo de efeito similar ao das drogas.

Essa alarmante tese high tech é defendida pelo filósofo alemão Christoph Türcke, que estará em São Paulo na semana que vem para lançar os livros “Sociedade Excitada” e “Filosofia do Sonho”.

Se o marxista francês Guy Debord atacou o consumismo em sua obra pioneira de 1967 (“A Sociedade do Espetáculo”), Türcke defende que o aprofundamento da revolução tecnológica, no final do século 20, provoca um frenesi viciante de “choques” imagéticos e visuais.

“Trata-se de injeções sensuais”, afirma na entrevista abaixo à Folha.

Assim como as drogas evoluíram em potência –do ópio para a morfina e heroína, das bebidas fermentadas para as destiladas–, a “metralhadora audiovisual” contemporânea provocou um aumento de dependência por parte de seus “usuários”.

“Isso é o que chamo de distração concentrada.”

Herdeiro da Escola de Frankfurt, que fundia marxismo e psicanálise, Türcke conclui que a sociedade da sensação se materializa no fetiche. Pois, diz, “fetiches são sintomas de abstinência, substitutos de algo de que se foi dolorosamente privado”.

Folha – O conceito de “sociedade da sensação” não é intelectualista demais?
Christoph Türcke – Pelo contrário. Parte de um ponto de vista sensualista, para não dizer fisiológico.
Avalia como a máquina audiovisual, que emite seus choques imagéticos 24 horas por dia, se impõe ao sensório humano. Tais choques, que se vive com cada nova focagem de câmara, têm o efeito de injeções sensuais.

Como assim, injeções sensuais?
Qualquer corte imagético, qualquer nova focagem, tem o caráter de um projétil, como diz Walter Benjamin [1892-1940]. Penetra no espectador abruptamente, desencadeando uma dose de adrenalina.

Como o vício define a sociedade da sensação?
Vício como fenômeno particular –como dependência física de certas substâncias (drogas)– está modificando um fenômeno geral, pois a máquina audiovisual também vicia.
Quem presta atenção à tela se dedica a ela, vive uma dependência crescente dela, vincula suas expectativas, sua economia emocional e intelectual a ela.
Assim como o drogado aplica injeções de heroína, uma sociedade que depende da tela se expõe a bilhões de choques imagéticos.
O choque singular é mínimo, quase imperceptível e não faz mal. Bilhões, no entanto, destroem justamente a atenção que elas atraem magneticamente.

Então, em um mundo conectado como o atual, as pessoas estão virtualmente viciadas?
O vício é real. Surge em organismos físicos, não num agregado de pixel.
O mundo virtual tem sua própria realidade, uma realidade prepotente, mas por outro lado fraquíssima, muito fugaz, não consistindo senão numa constelação de impulsos eletrônicos. Ao desligar a eletricidade a virtualidade inteira desaparece.

Citando Trótski, o sr. propõe uma relação íntima entre igreja, cinema e álcool. Qual a razão disso?
Trótski não percebeu o alcance da sua própria observação. O vício tem um subtexto teológico. Cada nova injeção atua como promessa.
O viciado quer cada vez mais, é insaciável, pois quer viver “o inédito”, que o vem salvar. Igreja, cinema, botequim: todos os três nutrem expectativas de salvação, cada um deles à sua maneira.
O ateu Trótski tentava tirar a classe operária da aguardente ao reuni-la no cinema. Era a sua igreja.

O sr. diz que, com a invenção do destilado, destruiu-se a cultura do beber e também que a vitória da morfina e da heroína sobre o ópio mudou o padrão do “frenesi”, devido à multiplicação do efeito tóxico. Quais as implicações disso para a sociedade contemporânea?

Quanto mais forte, mais rápido o efeito. As drogas desenvolvem-se segundo as necessidades gerais de aceleração.

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